Estes dias vi na televisão, aqui na casa do meu pai, uma reportagem
sobre religião e suas diversas manifestações entre as culturas.
Os polinésios, os asiáticos, europeus, a religião nas Américas... No
final, deu aquela impressão de que somos filhos mesmo de um mesmo pai,
só que de mães diferentes, sabe?? Ninguém se entende, "criação"
diferente para cada mãe.
Lembrei da minha época de escola. Na adolescência, quando a vida que
pulsava naquele corpo jovem parecia que não se acabaria nunca. Eu
pensava que na velhice eu seria uma velha com a mesma energia de quando
fora adolescente... Não percebia, naquela época, que o inevitável chega,
sem que tenhamos muita participação neste ponto. A não ser, é claro,
quando a consciência desperta mais cedo, faz com que este adolescente
viva de modo a deixar reflexos positivos para o futuro . Comer, transar,
beber, exercitar-se, comprometer-se, tudo deixa marcas no corpo, que se
refletem no futuro.
Minha liberdade de escolher o que eu como, como eu como, é minha..
Ninguém pode tirar isso de mim. Só eu mesma posso abrir mão. E, porque a
liberdade de ir e vir sempre foi tão importante pra mim, é que eu
fiquei PUTA naquela tarde.
Era pra escola. Um trabalho que eu já nem lembro mais para o que era.
Quem foi que pediu aquilo? Foi o professor de Português? Sei lá.
Eu sei que eu fui com uma amiga minha fazer uma entrevista num convento
de freiras carmelitas descalças. Cheguei na porta de madeira maciça, com
uma pequena portinhola engradada na altura do rosto. Estava fechada com
a portinha pequena de madeira. Ainda parei em frente uns 20 segundos,
perguntando "Bato ou não bato"?? Bati.
Nada. Nenhum som de passos.. não se ouvia um ruído sequer. Bati
novamente, desta vez mais alto, e por mais tempo. Deu certo. Sons atrás
da porta maciça mostravam que elas haviam ouvido.
Nhec..fez a portinha. Meu coração batia forte..que emoção...uma freira
carmelita descalça.. Esta ordem eu sabia que havia sido criada para
clausura. Elas entravam na ordem, se consagravam freiras e nunca mais
veriam o mundo exterior.
"-Sim??"
Achei que fosse encontrar uma freira velha, encarquilhada, monumento
antigo de uma ordem já falida. Ledo engano. A portinhola aberta me
mostrou uma senhora jovem, sem nenhum traço de ruga ou problema.
"-Sou da escola tal. Me chamo tal e gostaria de saber se vocês podem me
dar uma entrevista para a escola sobre a ordem de vocês e de como é sua
vida ai dentro."
A portinha se fechou e eu aguardei longos minutos pela resposta. A porta
grande e pesada então se abriu silenciosamente, e eu fui convidada a
entrar em um recinto grande, com o chão limpo demais. Quase nenhum móvel
no local.
Apenas uma porta aberta nos fundos da sala, que dava para outra sala,
desta vez com uma separação no meio. Era uma cela. Eu ficava do lado de
fora, sem chance de entrar na cela. E por outra porta, entraria uma
freira da ordem, sem chance de sair da cela.
Ficaríamos sentadas, uma de frente para a outra, sem podermos trocar de lugar.
A irmã que me conduziu á cela me disse para aguardar um pouco que a irmã
"tal" (esqueci o nome da moça, faz tanto tempo já) estava se preparando
para a entrevista.
Sentei e aguardei com meu caderninho e caneta em punho. Eu estava preparada.
Dali a pouco a irmã tal entrou. Vestida de preto, com o hábito conhecido pelos filmes. Sentou-se no banco, dentro da cela.
Perguntei porque ela estava lá. Estava lá porque havia recebido o
chamado de Jesus. Aceitou de bom grado o "telefonema divino" (palavras
minhas), e casou-se com o Cristo, vindo a morar na santa residência das
Carmelitas descalças, depois de doar absolutamente tudo o que tinha.
dinheiro, sapatos, roupas, brincos e colares, pertences pessoais,
lembranças do passado, tudo ficou para trás.
Não saía do convento há alguns anos.
Perguntei das compras. Quem comprava escovas de dentes? comida? quem saía?? funcionários do convento, foi a resposta.
Quem pagava a conta?? A igreja, é claro.
E o que faziam o dia todo?? todos os dias?? rezavam.
Só?? Faziam também trabalhos manuais para ajudar na caridade.
E o que mais?? rezavam mais.
Estourei.
Ali sentada eu pensava nas crianças abandonadas no centro da cidade, sem caridade alguma de ninguém. Nem de mim, nem de ninguém.
Nem delas. Elas não punham as mãos em ninguém. Não se sujavam com nada.
Eram mantidas na clausura, longe do mundo, ajudando à distância com suas
rezas.
Eu era menina. Aquela força louca de vida explodia em mim, e a visão da
entrega silenciosa daquela mulher me doeu. Que pena, eu pensei. Agradeci
e levantei, pensando o que faz com que uma pessoa escolha, por vontade
própria, isolar-se do mundo, numa caixa de cimento, no meio de uma
metrópole, sem ver mais seus semelhantes nas ruas, sua família...
Pensei nas escolhas que fazemos e como levamos vida afora o peso destas escolhas nas costas.
O que comer, o que vestir, o que seguir de profissão, o que fazer de nossas vidas preciosas esta em nossas mãos.
Respeito pela opção alheia. Difícil este respeito. Demora mais para surgir em mim quando é nestes casos.
Hoje eu respeito, embora não aceite.
Hoje eu sei que cada um segue aquilo que pode, que sabe e que escolhe.
Eu não quero clausura... quero usar tudo, brincar em todos os brinquedos.
Quero viver minha vida de modo que, quando eu morrer, não cantem para
mim Epitáfio, com os Titãs... Eu vou amar, chorar, ver o sol nascer..até
o fim.
Conto minhas aventuras vividas em um sítio de 44 alqueires, em São Francisco Xavier, São Paulo. Lugar maravilhoso.
sábado, 9 de setembro de 2023
Carmelitas descalças (11.dez.2010)
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